No meio de uma densa área de mata tropical na porção noroeste do estado de Rondônia, um grupo de 40 pessoas aguardou ansiosamente por cerca de três semanas pela chegada de um sinal. No último dia 10, ele finalmente veio. Era o que elas precisavam para, num ritmo frenético, começar a derrubar cerca de 7 000 árvores do bioma amazônico. São ipês, angelins, cedros e cumarus de dezenas ou centenas de anos que virão ao chão sob o barulho ensurdecedor de inclementes motosserras. Diferentemente do que o cenário descrito acima pode sugerir, as pessoas que ceifarão essas árvores não são vilões do meio ambiente, como pecuaristas que desmatam para ganhar mais área para seus rebanhos, grileiros ou madeireiros ilegais. São funcionários diretos e terceirizados da Amata, empresa com sede em São Paulo que, há cinco anos, nasceu com o propósito de conservar a floresta e também ganhar dinheiro com suas riquezas - e a madeira é apenas a mais óbvia delas.
O tal sinal que eles esperavam para começar a operar era uma autorização do Ibama. É verdade que há hoje outras empresas na Amazônia tentando fazer vingar o binômio exploração-conservação. O que distingue a Amata e mais duas empresas de origem local, a Madeflona e a Sakura, é o fato de terem sido as primeiras a ganhar, em 2008, uma licitação para testar a viabilidade da exploração sustentável em uma área de 96 000 hectares da Jamari, floresta pública que pertence à União.
Daqui em diante, essas empresas estarão na mira de ambientalistas, pesquisadores e demais interessados na causa das florestas. Mas não serão as únicas a sofrer escrutínio público. As maiores atenções estarão voltadas para o próprio governo, responsável pela aprovação, em março de 2006, da lei de gestão de florestas públicas. Foi ela que concedeu ao setor privado o direito de explorar produtos e serviços nas áreas em regime de concessão, desde que respeitada uma série de limites e critérios sociais e ambientais. A lei foi uma das bandeiras da então ministra do Meio Ambiente, hoje candidata à Presidência pelo Partido Verde, Marina Silva. À época, houve críticas à sua aprovação. Entre as mais correntes, estava a de que a legislação endossaria a privatização da Amazônia, além de formalizar a total incompetência do governo em manter intocado seu próprio patrimônio. Alguns especialistas também levantaram dúvidas quanto às benesses do chamado "manejo".
A técnica, que deve ser usada pelos concessionários para explorar a madeira, define regras para a quantidade de árvores que podem ser derrubadas, de modo a favorecer a regeneração da floresta e sua perpetuidade. Os argumentos dos profissionais do Ministério do Meio Ambiente envolvidos na aprovação da lei, porém, foram mais convincentes e acabaram conquistando até mesmo a simpatia de ONGs aguerridas, como Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Amigos da Terra e Greenpeace. "Defendemos a premissa de que para salvar a floresta é preciso usá-la. Se ela gera renda, as pessoas não têm motivos para derrubá-la", afirma o engenheiro florestal Tasso Azevedo. Azevedo foi um dos responsáveis pela elaboração da lei e também o primeiro diretor do Serviço Florestal Brasileiro, autarquia criada na época para ajudar o ministério a conduzir o processo de concessão das florestas públicas.
A ideia de entregar a gestão das florestas a empresas privadas sob regime de concessão não foi inventada aqui. No mundo todo, até nos países mais liberais, impera o consenso de que essas áreas devem, em última instância, permanecer nas mãos do poder público. As concessões, porém, vem sendo testadas aqui e ali há cerca de 30 anos. As experiências mais bem-sucedidas estão em países ricos e donos de florestas temperadas, como Estados Unidos e Canadá. "As concessões não deram certo em nenhum país tropical", afirma Niro Higuchi, respeitado pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Higuchi, um crítico notório às concessões, está certo. Mais de uma dezena de países adotou o modelo, como Camarões, Gabão, Gana, Libéria, Congo, Tailândia, Indonésia, Bolívia e Venezuela. Não há, porém, evidências concretas de que ele tenha gerado riqueza econômica para esses países ou os ajudado a preservar suas florestas. Por outro lado, o que os simpatizantes da lei afirmam é que colocar o Brasil nessa mesma cesta não faz mais qualquer sentido. "Comparar o país com o Congo ou com a Indonésia? É uma loucura", afirma Adalberto Veríssimo, pesquisador sênior do Imazon, ONG dedicada à pesquisa na Amazônia. Não só porque a estabilidade institucional do Brasil se consolidou ao longo dos últimos anos mas também porque a legislação ambiental vigente dá hoje à sociedade mecanismos para monitorar de perto o cumprimento das regras da concessão.
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