segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Ibama: licença é desafio para Belo Monte

Dois pareceres técnicos do Ibama, um emitido em 5 de outubro de 2010 e o segundo no dia 20 do mesmo mês, mostram que o Consórcio Norte Energia, vencedor da licitação para a construção da usina de Belo Monte, no Pará, está longe de conseguir cumprir as 40 condicionantes exigidas para obter a Licença de Instalação, obrigatória para o início das obras. Nos dois relatórios os técnicos do Ibama são taxativos em afirmar que “o não cumprimento das condicionantes, bem como a não realização das ações antecipatórias não fornecem as condições necessárias para o empreendimento começar a se instalar na região”.



Apesar da negativa, continuam fortes os rumores em Altamira de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá chegar à região no dia 17 de dezembro para assinar a Licença de Instalação já no canteiro de obras da usina. A Secretaria de Comunicação da Presidência da República informou que não há nenhuma previsão para a visita, já que a agenda do presidente não é fechada com tamanha antecedência. Mas para os moradores da região que sonham com o início das obras há mais de 20 anos, já é certa a visita do presidente Lula, bem como o pontapé inicial das obras.

NOVO ROUND?

Mas, se depender do Ministério Público Federal do Pará e dos movimentos sociais da região, este será mais um round na guerra contra a construção da usina, cuja história se arrasta há mais de 20 anos. Para o procurador da República paraense, Felício Pontes, o que se está antevendo agora, além de todo o desastre ambiental já alertado pelo MP e por diversas entidades ligadas ao meio ambiente, é o caos social na região.

“O caos social se estabelecerá com a liberação da Licença de Instalação sem o cumprimento das condicionantes em termos de educação, saúde, segurança pública e, sobretudo, organização fundiária – que fez a fama internacional de Altamira”, alerta Felício Pontes. Segundo o procurador, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) feito pela Eletrobrás e empreiteiras prevê que a migração de trabalhadores em busca de emprego na obra será de 100 mil.

“Considerando que a população atual de Altamira é de 94 mil, e que o máximo de postos de trabalho gerados pela obra será de cerca de 19 mil, e isso apenas no terceiro ano, pois nos demais anos esse número é menor, é fácil concluir que, além da explosão demográfica, Altamira terá, no mínimo, 80 mil pessoas desempregadas”, adverte Pontes.

O MPF enviou uma nova recomendação ao Ibama para que o órgão não emita nova licença ambiental para Belo Monte enquanto não forem resolvidas as questões pendentes da licença prévia que autorizou o leilão da usina em abril deste ano. Na licença foram assinaladas pelo Ibama 40 condições prévias que deveriam ser cumpridas antes da emissão de novas autorizações. “O MPF constatou que, até agora, a maioria das condicionantes encontra-se, se não no marco zero, muito aquém do previsto”, afirmam os procuradores Cláudio Terre do Amaral e Bruno Alexandre Gütschow na recomendação.

Para eles, o cenário é de total incerteza sobre o cumprimento das condicionantes e sobre os danos que, com isso, serão causados.


Dados são contraditórios sobre a mão de obra atraída

O Parecer nº 88/2010 do Ibama, datado de 5 de outubro de 2010 e assinado por sete analista ambientais e acordado pelo coordenador Geral de Infra Estrutura de Energia Elétrica do órgão - e os nomes não podem ser divulgados para evitar demissões e punições, como já ocorreu em casos anteriores relacionados a Belo Monte - confirma o temor do Ministério Público do Pará.

Na folha 4/21 os analistas advertem: “Nos diversos documentos encaminhados ao Ibama foram apresentadas estimativas contraditórias acerca da demanda de mão-de-obra para as instalações iniciais”. O relatório do Ibama mostra que, de acordo com o EIA, no 1º ano de obras da UHE Belo Monte seriam gerados até 3.621 empregos diretos, o que se refletiria em uma população atraída estimada em 13.969 pessoas neste mesmo ano.

Já em outro documento apresentado pelo Consórcio ao Ibama, que trata das Ações Antecipatórias, o quadro de contratação de mão de obra no primeiro ano seria de 4.457 empregados. “Destes, 3.342 deverão ser contratados e capacitados na região e 1.026 já são pertencentes aos quadros do empreendedor” diz o Consórcio Norte Energia.

O Ibama adverte os empreendedores lembrando que “os municípios devem estar preparados para receber o afluxo populacional no momento em que este ocorre, para o que são necessárias medidas antecipatórias, que precisam ser realizadas para evitar que a qualidade de vida das pessoas da região, e daquelas que chegarem, piore apenas com as expectativas geradas pela construção do empreendimento.”

Ainda segundo o Ibama, essas ações precisam incluir melhorias nos sistemas de saúde, educação, saneamento, segurança, “entre outros. No Parecer 95/2010 de 20 de outubro, os técnicos do Ibama ressaltam que o Consórcio Norte Energia apresentou em setembro previsão de mão-de-obra para o período de oito meses iniciais, considerando um total estimado de 2.811 pessoas contratadas.

Nesse relatório, o que mais chamou a atenção do Ministério Público e do Movimento Xingu Vivo para Sempre foi o fato do Consórcio, nesta condição inicial, ter como premissa a não migração de famílias, ou seja, a não consideração de acréscimo de população por conta de familiares.

“Isto é surreal. O simples fato de saberem que já há a possibilidade de início das obras já está atraindo centenas de pessoas para Altamira. Eu que sou da região cruzo com pessoas estranhas a todo instante. Nós sabemos que estamos recebendo um fluxo enorme, só pela proximidade do início da construção”, ressaltou o deputado federal Wandenkolk Gonçalves, presidente da subcomissão especial criada para acompanhar a implantação da usina hidrelétrica de Belo Monte na Câmara dos Deputados.

O deputado lembra que é necessário o cumprimento de todas as ações antecipatórias para evitar, além do caos e desatendimento aos que chegarem, o desconforto para a população que já reside na região. “Precisamos preservar o que já conquistamos. Queremos a usina, mas ela deve vir precedida de ações que beneficiem a população e não de prejuízos que venham piorar as condições de vida de nossa região”, ressaltou Wandenkolk.

O próprio Ibama alertou os empreendedores sobre esta possibilidade, mesmo em se tratando da construção do canteiro de obras: “A premissa de não migração de familiares por conta de contratação de mão de obra local se comprovou equivocada, mesmo porque a expectativa de obtenção de emprego e melhoria de condições de vida são os vetores de atração para a região”.



Pesquisador alerta para o perigo das migrações

O fenômeno de migração populacional motivada pela corrida de mão de obra se verifica em todas as obras de grandes barragens, conforme atesta o professor da Universidade de Brasília, especialista em recuperação de áreas degradadas, Mauro Eloi Nappo. “O que se observa na construção de grandes hidrelétricas, além da questão ambiental grave, é este segundo momento, que é a sobra de mão de obra deixada para trás, é o bolsão da pobreza criado no entorno do empreendimento, com caos nos sistemas de saúde, segurança, educação e até mesmo no aumento da prostituição local”, reforça.

Mauro Nappo, que trabalhou em obras de grandes hidrelétricas em Minas Gerais, como Nova Ponte, Miranda, Capim Branco, entre outras, lembra que Nova Ponte, por exemplo, é operada por apenas 13 funcionários. “O ônus pela superpopulação gerada pela construção da usina ficou todo para o município”, informou.

O professor acredita que o ônus de Belo Monte vai recair sobre os ombros do Governo do Estado do Pará. “O Estado sempre fica com o ônus. O que Tucuruí gerou? Basta ver os dados socioconômicos . A própria cidade de Tucuruí está à margem do processo de desenvolvimento. Muito pouco se reflete na vida da cidade e das pessoas. Lá é terra de ninguém. O empreendimento não conseguiu compensar para o povo o que se esperava”, ressalta, lembrando a diferença que existe entre a vila dos funcionários da Eletronorte e a população nativa e migrante de Tucuruí.

O próprio relatório do Ibama deixa isto claro para os empreendedores. Segundo os técnicos do órgão, no processo de licenciamento da usina de Jirau, em Rondônia, somente em um pequeno distrito de Porto Velho – Jaci-Paraná, próximo ao canteiro de obras, no decorrer de um ano ocorreu uma atração populacional de aproximadamente 11 mil pessoas, passando a população que era de quatro mil para 15 mil pessoas, gerando caos em todo o sistema: saúde, segurança, educação e segurança pública.

Quadro dos municípios envolvidos já é precário

Os índices sociais do Pará estão entre os mais baixos do país. A região de Altamira também registra um alto índice de violência, sobretudo por questões fundiárias. De acordo com o Mapa de Violência dos Municípios Brasileiros, divulgado pela Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI), os cinco municípios que serão diretamente atingidos pela barragem de Belo Monte apresentam taxas de homicídio que os situam entre os mais violentos do país.

Anapu, onde foi assassinada a freira norte americana, naturalizada brasileira, Dorothy Stang, e Vitória do Xingu, onde vai ser construída grande parte do canteiro da obra, estão na faixa dos 40% mais violentos municípios do país. Brasil Novo e Senador José Porfírio entre os 25%. Altamira, que já está recebendo e vai receber o maior fluxo migratório foi classificada na faixa dos 10% (entre 556 municípios), onde foram registradas as maiores taxas médias de homicídio (número de ocorrências por 100 mil habitantes) no triênio 2004-2006.

Juntos, estes cinco municípios possuem um policial para cada 608 habitantes (Altamira tem um para cada 419 habitantes, e Vitória do Xingu, um dos mais violentos do país, tem um policial para cada 2.384 habitantes).

O relatório do Ibama é minucioso ao descrever o caos já estabelecido na questão da superpopulação carcerária já existente, na falta de efetivo policial e despreparo do já existente; na significativa parcela da população sem instrução escolar em todos os municípios da região; da falta de estrutura da área da saúde; da grave questão do saneamento como falta de abastecimento de água, da falta de banheiro ou sanitário na maioria das residências, da falta de esgotamento sanitário, da deficiência no tratamento de resíduos sólidos, da inexistência de sistemas de drenagem de águas pluviais; entre outros problemas graves de infra estrutura na região.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Sudeste da Amazônia pode virar savana se estiagens persistirem, alerta pesquisa

Uma sucessão de secas como a de 2010 seria capaz de transformar a porção sudeste da Amazônia em savana. A conclusão é de uma dupla de pesquisadores do Brasil e da Colômbia, que calculou pela primeira vez qual é a redução na quantidade de chuvas necessária para desestabilizar a floresta.




Como tudo o mais que envolve efeitos do aquecimento global sobre os ecossistemas, a conta não é simples e envolve várias interações. Mas Luis Fernando Salazar, da Universidade Industrial de Santander (na Colômbia), e Carlos Nobre, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), estimam que reduções de precipitação de 35% no sudeste da Amazônia e de 40% no nordeste bastariam para ampliar a estação seca (o “verão” amazônico) para quatro meses, transformando a vegetação em savana.

Num cenário futuro de aquecimento da Terra, no qual as temperaturas médias amazônicas subissem 4ºC, tal redução de chuvas é perfeitamente plausível. Basta lembrar que as secas prolongadas de 2005 e deste ano viram reduções tão grandes ou maiores do que essas. “É como se no futuro o que aconteceu neste ano de 2010 passe a ser o padrão”, disse Nobre à Folha.

Efeito CO2 – Em um estudo publicado no periódico científico “Geophysical Research Letters”, a dupla de pesquisadores usa um modelo computacional de clima e vegetação e analisa a resposta da floresta a diferentes níveis de temperatura e precipitação. Mas, claro, num mundo aquecido não são apenas temperatura e chuva que variam: um dado que estudos do tipo ainda não haviam computado, é o efeito do CO2 a mais sobre a floresta.



O gás carbônico, como qualquer criança sabe, é fundamental para a fotossíntese. Ao mesmo tempo em que ajudam a esquentar o planeta, as emissões humanas do gás fertilizam as plantas.

O problema, conta Nobre, é que ninguém sabe qual é o efeito de fertilização do gás sobre a floresta amazônica.”O ponto de não-retorno depende do efeito de fertilização”, diz o pesquisador. “E os dados não nos permitem dizer que seja zero.”

Ele e Salazar, então, montaram três cenários de resposta da floresta: um com zero fertilização, outro no qual o efeito é 100% (também improvável) e um intermediário, com fertilização de 25%.

No cenário intermediário, o aumento de temperatura de 4ºC e uma redução de 35% nas chuvas transformariam todo o sudeste amazônico numa savana empobrecida. O efeito é máximo no sudeste (sul do Pará, Tocantins e Mato Grosso) e mínimo no noroeste (Amazonas). “Lá chove quatro metros por ano, se cair para dois metros ainda dá para sustentar uma floresta”, diz Carlos Nobre.

“Mesmo que a temperatura suba 7ºC, o efeito do CO2 compensaria esse aumento”, afirma o cientista.